sexta-feira, 24 de abril de 2009

365 - ENTREVISTA COM BORIS SPASSKY, EX - CAMPEÃO DO MUNDO DE XADREZ EM NALCHIK, NO GRAND PRIX FIDE

por: Jaime André
Boris Spassky, ex-campeão mundial de xadrez e lenda viva da modalidade, muito fruto do seu confronto com o então americano Bobby Fisher no auge da guerra fria entre a União Soviética e os EUA, encontra-se em Nalchik, na Rússia, a acompanhar e comentar as partidas do 4º Torneio do Grand Prix da FIDE. Em declarações aos jornalistas presentes, publicadas no site oficial da FIDE (Federação Internacional de Xadrez) abordou várias questões, das quais selecionamos as mais pertinentes que melhor exprimem as opiniões do GM Russo acerca do xadrez atual.
O que pensa do atual sistema para determinar o Campeão Mundial?
Não penso que exista um sistema ideal. Sempre me pareceu que o título de campeão perdeu o seu significado. Julgo que seria razoável realizar um torneio de candidatos do ano e deveria haver um campeão do mundo desse ano. Mas por outro lado, depois de Anand, que é o atual campeão do mundo, ter ganho o seu último jogo contra Kramnik, o significado do título ficou maior. E fico contente por isso. Falando acerca desta ideia de uma série cuja seleção seja feita através de seis torneios, devo dizer que a ideia não é nova. (…) Havia ainda a ideia de se realizarem 4 torneios dos quais contariam os 3 melhores resultados. Será sempre complicado escolher,(…) especialmente nos dias de hoje, onde é dificil obter dinheiro para a organização das competições.
Acha que o xadrez precisa de um novo Bobby Fisher?
Os Grande Mestres, os espectadores e o xadrez parecem um pouco afastados entre si. Penso que atualmente essa figura é o Magnus Karlsen da Noruega. Ele consegue preencher esse papel porque consegue atrair o mundo do xadrez pela sua jovem idade e qualidade de jogo. Tem um estilo de jogo muito interessante e rico, para além de ser um jovem muito corajoso, ele avança sempre quer vá ganhar ou perder. É ainda, tão bom quanto o Bobby Fisher no seu tempo, a jogar finais de jogo.
Mas se estivermos a falar de uma figura extravagante, uma espécie de homem espectáculo, acho que atualmente não existe ninguém e provavelmente não existirá.
A Escola Russa foi muito forte no tempo da União Soviética. Como é que ela está agora?
Infelizmente há uma divisão. Podemos invocar a já muito falada reconstrução, ou até podemos pensar no que aconteceu com o país. Muitos jogadores, que cresceram e tiveram a sua formação em xadrez ao mais alto nível na Russia, sairam do país. O mesmo se passou comigo, fui para França em 1976, onde tenho estado a residir nos ultimos 33 anos. Penso que atualmente o título de campeão é subestimado, mas não por ter havido um decréscimo de interesse no xadrez. A questão é que a diferença entre os competidores é reduzida, e por essa razão eu não considero o vencedor campeão do mundo. Esse jogador apenas recebe esse título. No meu tempo costumava-se ser o campeão oficial por 3 anos. Gostava de salientar pessoas como o Misha Tal, que foi apenas campeão por um ano, mas foi no entanto uma figura muito importante no xadrez. Penso que o mundo do xadrez seria muito enfadonho sem o Misha Tal, uma vez que o seu trabalho era muito útil. Lembro-me de uma vez enquanto participante num torneio em Belgrado, conheci uns amadores que falavam sobre o torneio, tendo um deles afirmado "Sem Tal, não havia torneio." Esta é mais uma razão pela qual os títulos têm sido substimados.
O que pensa da carreira de treinador?
O talento para treinar é muito especial. Pode-se ser um excelente jogador de xadrez, mas um treinador sem talento. Por exemplo, pediram-me para trabalhar com Flora Dmitrieva, que era a campeã de Leningrado, algo que aceitei, sem compreender no entanto como seria. Como já tinha esse título de campeã, aconselhei-a a não pensar muito nas aberturas e a jogar de acordo com o desenrolar do jogo. Ela acabou por fazer isso no campeonato seguinte e terminou em ultimo lugar, após o que conclui dever ter mais cuidado com o meu talento para treinar. Mas observando Bondarenko, que era um verdadeiro talento, percebi que é mais fácil estar à frente do ensino do xadrez do que trabalhar enquanto treinador.
O que acha da influência do computador no xadrez, vê aspectos positivos?
Os computadores mudaram o xadrez. O contratempo é que com eles a maior parte dos jogos apenas começam com o 35º lance ou até mesmo mais tarde. Isto faz com que estejas imediatamente envolvido no final de jogo, não havendo assim um jogo vivo. Mas há também uma grande vantagem. Por exemplo o GM Bondarevsky e a sua esposa estiveram um mês a transcrever o reportório de aberturas do Bobby Fisher, pelo que agora com esse programa conseguimos aceder a tudo em meio minuto. É realmente uma grande vantagem. O computador é importante ao mais alto nível, onde o valor de cada movimento é muito elevado.
Vai continuar a sua carreira de jogador?
Nesta altura em que tenho 72 anos, é mais dificil aguentar a tensão da luta. Já não consigo fazê-lo. Consigo jogar um ou dois jogos quando sou convidado para algum evento, mas já me é impossivel aguentar muitos mais. Acho que a condição necessária para se jogar em torneios é sentir que se está pronto para “matar” todos os adversários, mas sou muito tímido e nesta altura já não quero ganhar. Se ganhar não sinto qualquer alegria, embora não goste de perder. Empatar é muito chato, algo que já fiz várias vezes.
A velhice no xadrez chega muito cedo. O desabrochar chega também muito cedo aos 26-28 anos, é-se campeão aos 32. Eu fui campeão aos 32, o Bobby Fisher era um pouco mais novo, o Karpov tinha 24, mas não jogou o match do campeonato do mundo.

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